segunda-feira, 23 de julho de 2012

Haroldo de Campos


Rima petrosa 2


 1.

não
da planta do pé
à palma
da mão

não
em cada
unha
em cada
artelho
do dedo
mínimo ao
dedão

não
da anca
da potranca
à curva do joelho
da cintura
ao tornozelo
do cotovelo
ao pulmão

2.
um não
de pedra
um não
de sola
um não
sem nenhum
senão

em cada fio
de cabelo
em cada
dente
em cada
pelo do
pente
do bico do
seio
ao monte de
vênus
da axila
à virilha
à ilharga
à barriga
da perna
do céu da
boca
à interna
rosa em
botão

3.
mas se de tamanho não
tão unânime um não tão
se dessa massa de nãos
como de massa de pão
fermentar um dia um sim
(por mínimo que seja
o seu roçar de cetim)

então nesse meu
brinquedo (sinistro)
de urso
nesse meu jogo
(triste)
de leão –

a contra-sim
a contra-senso
a contra-mim –

serei eu a
dizer não

4.
um não de sins
o meu não
de fel coado de mel
que para dizê-lo assim tão
no seu esforço de não
(como no rim uma pedra
que endureça de paixão)
será preciso queimar
a mão direita no gelo
ou na chapa do fogão
abrir o peito e morder
(como Aquiles quis fazer
ao rei grego Olho-de-Cão
como fez Madona Loba
ao trovador Cabestão)
esse músculo vermelho
coração que bate sim
encarniçado em seu não.


Haroldo de Campos





Ao afirmar o não a pessoa se posiciona. Talvez ainda não saiba o que quer. Mas já sabe o que não quer, o que já é muita coisa. Toda negação trás em si uma afirmação. Esse poema mostra muito bem isso.

Ou, nas palavras de José Régio...


“Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!”

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