sexta-feira, 31 de maio de 2013

Vai, amigo: tente não ocupar sua vida em magoar-se e ficar ressentido.


O autor Stendhal escreveu, certa vez:

“Adeus, amigo leitor; tente não ocupar sua vida em odiar e ter medo.”

Tentando me lembrar da frase, pensei que ela era assim:

“ Vai, meu filho. E tente não ocupar sua vida em odiar e ter medo...”

Mas, apesar de achar esse conselho muito bom, acabei pensando em outra variação:

Vai, amigo: tente não ocupar sua vida em magoar-se e ficar ressentido.

Afinal, para se caminhar, para seguir adiante, é preciso livrar-se do excesso de bagagem. Ou, ao menos, olhar adiante e não somente para trás. A vida está em aberto diante de nós mas é necessário que tenhamos a coragem de abandonar nossas mágoas e tentar.


terça-feira, 28 de maio de 2013

Mario Quintana - Saudade


"A saudade que dói mais fundo e irremediavelmente é a saudade que temos de nós."

Mario Quintana - Caderno H

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Ex - Texto de Ruy Castro




RIO DE JANEIRO - Prometi-me não escrever mais sobre Adriano, o ex-Imperador, ex-atleta, ex-jogador. Aos 30 anos, sua carreira no futebol está encerrada. Todas as tentativas para recuperar seus tendões, fazê-lo perder 20 kg e botá-lo em forma, por mais bem planejadas, fracassarão. A tendência é a de que as notícias a seu respeito logo deixem as páginas de esporte e se mudem para outros cadernos dos jornais.

Mas, se o jogador não é mais personagem, resta o homem --e é este que, mais do que nunca, está em perigo. O Flamengo, clube que o revelou e do qual ele se afastou de vez nesta segunda-feira, mantinha-o "treinando" por medo de que, sem o futebol, Adriano emburacasse de vez. A intenção era louvável, mas inútil. Ele já emburacou. Não tem mais controle sobre seu comportamento. Quem o comanda é o álcool.

Adriano sobe aos palcos ou à mesa dos botequins e se diz "orgulhoso de ser da favela", que "tem dinheiro, mas não precisa dele" e é vítima "da inveja". É a prepotência em pessoa. Não admite seu único problema: o de que sua vontade tornou-se uma combinação de água, malte de cevada e lúpulo.

Ainda não chegou ao estágio em que o sentimento de culpa faz com que o alcoólatra cogite sinceramente interromper o consumo (mas não consegue, porque o organismo já fala mais alto do que o cérebro). E, pelo tom eufórico de suas aparições, sempre registradas pelas câmeras, ainda não foi tomado pela depressão e pela inércia. Mas tudo isto --culpa, depressão, inércia-- sobrevirá, e não terá a ver com o fato de ele estar "treinando" ou não. Será apenas uma fase inevitável do processo.

A única chance para o homem Adriano seria uma internação de pelo menos seis meses em clínica especializada e de regime fechado. Mas os alcoólatras têm uma lógica própria. Não se envergonham da doença --só do tratamento.

Óleo de peixe pode ajudar a retardar envelhecimento em idosos




07/09/2012 09h12
·          
·         BBC

A ingestão diária de ácidos graxos provenientes de óleos de peixe associada à prática de exercícios físicos ajuda a retardar o envelhecimento, sugere um estudo realizado na Universidade de Aberdeen, na Grã-Bretanha.

Os resultados da pesquisa mostraram que mulheres com mais de 65 anos que receberam doses diárias de ácidos graxos ricos em ômega-3 ganharam quase o dobro de tônus muscular após se exercitarem, quando comparadas com aquelas que ingeriam azeite de oliva.

Uma expansão do estudo está prevista para confirmar tais resultados e determinar com maior exatidão as razões da melhora da força muscular.

O processo de envelhecimento, conhecido como sarcopenia, implica numa perda muscular de 0,5 a 2% por ano e pode implicar em fraqueza e perda de mobilidade em idosos.

Há poucos dados sobre a incidência na Grã-Bretanha, mas informações provenientes dos Estados Unidos mostram que 25% das pessoas com idade entre 50 e 70 anos têm sarcopenia e isto aumenta para mais da metade daqueles com mais de 80 anos.

Para Stuart Gray, um dos líderes do estudo, o custo da sarcopenia é imenso, tanto pela necessidade de cuidado direto ou por internações hospitalares motivadas por quedas.

"Cerca de 1,5% do orçamento total de saúde americano é gasto com assuntos relacionados à sarcopenia", diz.

As conclusões dos pesquisadores estão sendo apresentadas no Festival Britânico de Ciência, em Aberdeen.

Estilo de vida e benefícios

A taxa de perda muscular é ditada, até certo ponto, pelo estilo de vida das pessoas, sobretudo o baixo consumo de proteínas e o sedentarismo, conhecidos fatores que aumentam o risco de desenvolver o problema.

Essas foram algumas das premissas levadas em conta quando Gray decidiu levar o estudo adiante, recrutando 14 mulheres de mais de 65 anos e dividindo-as em dois grupos.

Todas praticaram exercícios durante 12 semanas, em duas sessões de 30 minutos de movimentos focados nos músculos das pernas, mas metade ingeriu ácidos graxos EPA e DHA, ricos em ômega-3, e a outra metade recebeu um placebo de azeite de oliva para controle.

O tônus muscular das pernas dessas mulheres foi medido antes e depois do experimento, e na comparação, as idosas que ingeriram azeite de oliva aumentaram sua massa muscular em 11% enquanto as que receberam os óleos EPA e DHA tiveram aumento de 20%.

Mas nem todos os óleos de peixe apresentam estes benefícios, disse Stuart Gray em entrevista à BBC.

"Um dos problemas com muitos desses suplementos é que a quantidade de EPA varia. Uma cápsula contendo 1 grama de óleo de peixe pode conter somente 100 miligramas de EPA e outras podem conter 400 miligramas".

Ele aconselha que aqueles que desejam melhorar sua ingestão de ômega-3 deveriam ingerir suplementos que contenham os níveis mais altos de EPA e DHA.

Homens e mulheres

Os pesquisadores receberam financiamento para expandir o estudo, desta vez com 60 pessoas com mais de 65 anos, incluindo números similares de homens e mulheres.

O organizador da pesquisa diz que há diferenças quanto à capacidade de sintetizar proteínas e na resposta a exercícios físicos.

"As mulheres mais velhas têm capacidade de sintetizar proteínas similar a de mulheres mais novas, enquanto os homens mais velhos apresentam diminuição quando comparados aos mais novos. Homens mais velhos se adaptam à prática de exercícios e aumentam sua capacidade de sintetizar proteínas. As mulheres não conseguem fazer isso, em sua maioria, embora os níveis basais de síntese já sejam maiores".

Um dos principais objetivos da nova etapa do estudo é justamente determinar as diferenças entre homens e mulheres em relação à sarcopenia e sua prevenção.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Ômega 3 previne doenças mentais, inclusive esquizofrenia



Pesquisa diz que a gordura ômega 3 de espécies como o salmão previne psicoses
Um novo estudo mostra que consumir cápsulas de óleo de peixes de água fria, como salmão, atum e sardinha, ricos em ácidos graxos ômega 3, ajudaria a prevenir problemas mentais. Em artigo publicado na revista especializada “Arquivos de Psiquiatria Geral”, os autores afirmam que o uso desses suplementos por três meses parece ser tão eficaz quanto remédios. Este tipo de gordura reduziu em 25% o índice de doenças psicóticas, incluindo esquizofrenia.
Os cientistas realizaram a experiência com 81 indivíduos, de 13 a 25 anos, com um alto risco para transtornos psicóticos. Eles já apresentavam sintomas moderados de psicoses ou tinham história familiar de transtornos mentais, como esquizofrenia. Metade tomou suplementos de óleo de peixe (1,2g de ácidos graxos ômega 3) durante 12 semanas.
A outra parte recebeu apenas placebo (substância inócua). Os grupos foram acompanhados por um ano pela equipe de Paul Amminger, principal autor do estudo.
Embora o número de participantes não seja muito alto, o resultado foi significativo.
No grupo que ingeriu suplementos, dois manifestaram transtorno psicótico. No grupo placebo, este número chegou a 11. Para os autores, o ômega 3 interfere de forma positiva, restaurando os neurônios no cérebro, e a descoberta oferece esperança de ter opções além de fármacos, que causam efeitos adversos importantes, como aumento de peso e disfunção sexual.
Estudo brasileiro tem resultado semelhante No início deste mês, um estudo com ratos, no laboratório da Disciplina de Neurologia Experimental da Unifesp, revelou que o ômega 3 é capaz de regenerar neurônios, o que pode abrir caminho para o desenvolvimento de drogas para regenerar o cérebro de pessoas com epilepsia e alguns tipos de demência. Os resultados são promissores, mas precisam ser confirmados.
Fonte: O Globo (03/02/10)

domingo, 12 de maio de 2013


Carta para minha mãe

Mãe,


Do que me lembro quando penso em você?


E olha que me lembro tão pouco da minha infância....


Lembro da gente brincando no adro da igreja de São Francisco.


Lembro de sempre confiar que podia conversar com você quando ficava agoniado.


Lembro da gente desenhando na rua em Ouro Preto. De quando eu chegava todo machucado me lembro de seu olhar de susto. Lembro da minha cama quentinha naquelas noites tão frias e você vindo me dar um beijo. Lembro da gente andando de carro, da kombi, da Brasília... lembro de chegar na FAOP e te encontrar.

Lembro de ir correndo te abraçar quando você chegou e eu sabia que papai tinha morrido.

Lembro que eu sempre tive certeza que você me amava. Lembro que já fui injusto com você quando achava que você devia ser mais firme com algum irmão. Lembro que me esqueci de dizer com todas as letras o tanto que te admiro e o tanto que reconheço sua luta por todos nós quando saí com você no amigo oculto.

Lembro de quando mudamos pra casa nova, da praia na primeira vez e em tantas outras, dos pic-nics nas cachoeiras, de tantos aniversários cheio de primos e amigos que você fez pra todos nós.

Lembro do tanto que sempre te achei bonita. E de como você fica feliz quando nos abraça. Lembro que sempre te amei e ainda te amo muito.

Receba um grande beijo meu mãe, com muita gratidão e amor. Deus me abençoou muito ao me dar uma mãe como você.

Do seu filho,

Nello

Carlos Drummond para o dia das mães

PARA SEMPRE 

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.


"Aí vai Carlos Drummond. Para todos os corações onde habita, para sempre, a doce e doída lembrança da mãe. Que, tendo ido embora, de onde está, continua a manter o olhar amoroso sobre nós." Ricardo Fenati

domingo, 5 de maio de 2013

Como nos vemos e como somos

Em minha experiência de consultório é muito frequente o paciente reclamar de algum detalhe de sua aparência e eu não conseguir perceber onde estaria o problema. A auto-imagem que cada um de nós tem de si mesmo é muito deformada. Seja por comentários durante nossa infância (muitas vezes, inclusive, movidos por inveja.), seja por características que já tivemos e nem temos mais, seja por comparações com modelos dados pela mídia, seja por nossos estereótipos a respeito do mundo e de nós mesmos, seja até por alguma coisa absolutamente banal e sem importância mas que acaba nos marcando de alguma forma, ou outro motivo qualquer. Fato é que não nos vemos como somos vistos pelos outros. E nos vemos, quase sempre, pior do que os outros nos vêem.

E custamos muito a atualizar essa imagem, a perceber nossos erros e deformações, a visualizar que o que era já não é mais...

Em todos, mas principalmente no universo feminino, particularmente a questão da beleza é sensível a essa deformação para pior que fazemos com nossa imagem.

Este comercial da Dove (Isso mesmo, vem da mídia o exemplo... será mais um ardil para nos alienar?) mostra com muita precisão esse problema.




Se eu me descrevo para um desenhista, ele me desenha mais feio. Se alguém me descreve, ele me desenha melhor.

Como será isso no que diz respeito a imagem que temos de nos mesmo no que diz respeito a valores, dignidade, apreço ou caráter?

Vale a pena assistir (Agradeço a Tânia Paula Souza, pela lembrança desse filme).

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Drauzio Varella: "Violência contra homossexuais"





Drauzio Varella, como sempre, muito lúcido. Publicado na sua coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo.




Violência contra homossexuais

A HOMOSSEXUALIDADE é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe compare.

Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência a mulheres e a homens homossexuais. Apesar de tal constatação, esse comportamento ainda é chamado de antinatural.

Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (leia-se Deus) criou os órgãos sexuais para a procriação; portanto, qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele).

Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?

Se a homossexualidade fosse apenas uma perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos.

Em alguma fase da vida de virtualmente todas as espécies de pássaros, ocorrem interações homossexuais que, pelo menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.

Comportamento homossexual foi documentado em fêmeas e machos de ao menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva.

A homossexualidade entre primatas não humanos está fartamente documentada na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no "Journal of Animal Behaviour" um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração anal entre os machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações semelhantes.

Masturbação mútua e penetração anal estão no repertório sexual de todos os primatas já estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos.

Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um século de pesquisas.

Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela existência de homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa minoria por mero capricho. Quer dizer, num belo dia, pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas, como sou sem-vergonha, prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo.

Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais, imagine para os outros.

A sexualidade não admite opções, simplesmente se impõe. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da cachoeira.

Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países o fazem com o racismo.

Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais que procurem no âmago das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal aceitam a alheia com respeito e naturalidade.

Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais elementares de justiça social.

Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser nazistas a ponto de pretender impor sua vontade aos mais esclarecidos.

Afinal, caro leitor, a menos que suas noites sejam atormentadas por fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu por 30 anos?

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Antropologia de Darwin: Os fundamentos materiais da moral




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CARLOS ALBERTO DÓRIA
ESPECIAL PARA A FOLHA



RESUMO "A Descendência do Homem" (1871), de Charles Darwin, foi praticamente ignorado em nome da ideia liberal de "guerra de todos contra todos". Releituras e pesquisas recentes em torno do livro revelam uma verdadeira teoria antropológica darwiniana que aponta para as raízes biológicas da moral.







Um dos casos mais intrigantes da epistemologia das ciências biólogicas é a quase absoluta ignorância que se seguiu à publicação de "A Descendência do Homem" (1871), de Charles Darwin.

Quase ninguém se deu conta de que a obra encerrava uma revolução no conhecimento, tão importante quanto "A Origem das Espécies" (1859).

Tão certos estavam os seguidores e detratores de Darwin de que se tratava de uma "continuação" ou "aplicação" da "Origem" à espécie humana, contestando a natureza divina do homem, que nem se deram ao trabalho de lê-la. Do mesmo modo, parte do trabalho --sobre o mecanismo da seleção sexual-- foi considerado um ensaio independente, sem conexão com a origem do homem. Passou em brancas nuvens esta que é considerada agora a "segunda revolução darwiniana".

A obra vale por não repetir argumentos da "Origem", constituindo uma verdadeira antropologia na qual se fundem as dimensões biológica e cultural, como nunca se vira antes e não se viu depois, pois as ciências humanas se desenvolveram de costas para a biologia e a cultura foi considerada algo além do mundo orgânico ("superorgânica") --isto é, a vida simbólica já aparece como plenamente constituída.

Essa antropologia só é possível porque Darwin não vê diferenças de natureza, e sim de grau, naquilo que une o homem às demais espécies animais. As habilidades, os instintos, a inteligência, a capacidade de comunicação (linguagem), os comportamentos são caracteres animais difundidos por infinitas espécies.

O impacto político dessa antropologia é enorme. Ao "animalizar" o homem e seus instintos mais "nobres", deixava a igreja falando sozinha, mesmo sem haver pensado a obra como um libelo antideísta. O livro mostra que os homens pertencem a uma espécie polimórfica, na qual todos são iguais, e as diferenças secundárias, como a cor da pele, foram desenvolvidas ao longo de milênios, através de escolhas estéticas de grupos humanos.


POLÍTICA

Mas por que Darwin escreveu esse livro, se as ciências humanas não eram seu foco de atenção? A razão foi de ordem política e humanitária, conforme hoje se sabe, graças ao estudo dos biógrafos de Darwin sobre suas anotações e diários (Adrian Desmond e James Moore, "Darwin's Sacred Cause: Race, Slavery and the Quest for Human Origins", Penguin Books, 2009).

Quando Darwin esteve no Brasil, horrorizou-se com a escravidão e, desde o distante ano de 1837, começou a reunir elementos para provar a origem comum e a igualdade entre os homens no plano biológico, de modo a sepultar as principais teses dos escravistas, com destaque para a tese da poligenia (tomando raças ou variedades como se fossem espécies "criadas" independentemente, segundo sugeria a leitura que faziam da Bíblia) com a qual "justificavam" o direito à escravizar seres aparentemente distintos.

Do ponto de vista historiográfico, a trajetória intelectual de Darwin também é surpreendente: uma obra sobre o homem, provando sua igualdade (monogenia), foi ideia anterior à concepção da seleção natural. Assim, se o estudo sobre a origem das espécies favoreceu sua compreensão sobre a animalidade do homem, ela contribuiu igualmente para o amadurecimento de sua antropologia.

A nova leitura esclarecedora de "A Descendência do Homem" deve-se ao trabalho de quase 20 anos do epistemólogo francês Patrick Tort, cujo livro "L'Effet Darwin: Séléction Naturelle et Naissance de la Civilisation" (Seuil, 2008) é síntese dessa trajetória persistente.
A primeira questão que Tort busca explicar é o desprezo pela antropologia de Darwin. E sua explicação é relativamente simples: a ideia de "luta pela vida" era extremamente conveniente para a economia política liberal; reforçava a noção de luta de "todos contra todos" e triunfo dos mais fortes, e os evolucionistas liberais, como Herbert Spencer, a ela se aferraram.
"A Descendência do Homem", ao contrário, é a obra na qual Darwin sofistica os mecanismos de seleção --faz até um mea-culpa por haver exagerado o papel da seleção natural-- introduzindo na história natural as noções cruciais da cooperação e "altruísmo".

Contudo, só nos países sem tradição de economia política liberal esses mecanismos de evolução foram percebidos e valorizados, como na Rússia czarista, resultando em algumas obras discrepantes em relação à interpretação dominante, como a de Peter Kropotkin, "Ajuda mútua: Um Fator de Evolução" (1888).

Em "A Descendência do Homem", Darwin mostra como esse animal surge da evolução de formas mais simples através da convergência fortuita de vários processos: a pedestrialização (quando o animal desce das árvores), o bipedismo, a encefalização (aumento do cérebro) e o desenvolvimento da linguagem simbólica. Mas não foram só as transformações físicas que Darwin captou. Ele indicou que, ao se desenvolver no plano social, criou-se uma ruptura com o processo anterior, no qual, por força de pressões ambientais, os animais se adaptavam mediante a transformação física milenar.

O Homo sapiens já não se transforma fisicamente, mas age sobre o ambiente, adaptando-o às suas necessidades (produz vestimentas, habitação etc.). Do mesmo modo, o instinto animal evolui e aprofunda seu caráter social, impondo formas cooperativas, tornando-o um animal social bastante sofisticado, capaz de várias ações altruístas.

Mas por que o altruísmo? Não se trata da manifestação de uma "essência humana", fruto de um sopro divino, mas de uma necessidade material da vida. O instinto social é característica de várias espécies --como as abelhas, as formigas e vários mamíferos superiores. Através dele, a reprodução do grupo entra em causa, condicionando as ações e escolhas individuais.


NOVO PERCURSO

No homem, desde a divisão de trabalho entre macho e fêmea para cuidar da cria (longamente inabilitada para, sozinha, prover a vida) até o desenvolvimento das instituições sociais, como a ciência ou a medicina, um novo percurso evolutivo se instaura quando crianças, velhos e indivíduos menos aptos são protegidos, em vez de eliminados.
Uma seleção natural de instintos e comportamentos antieliminatórios (ou "antisselecionistas") vai tomando corpo e reprimindo as ações eliminatórias.

O resultado cego desse longo processo é a civilização, isto é, a repressão sistemática da "lei do mais forte" na medida em que padrões encontram formas de se impor ao grupo e se sobrepor aos do indivíduo. Tort verá nesse mecanismo a "reversão da seleção natural", ou o nascimento da civilização sem ruptura com a dimensão biológica da vida. Em outras palavras, a base material, natural, da moral.

"A Descendência do Homem" traz uma segunda parte, sobre a "seleção sexual". Nela, o cientista inglês mostra justamente a necessidade do altruísmo --a capacidade de dar a vida por outros membros da espécie-- como fator de evolução. Por que em certas espécies, notadamente de aves, o macho é muito mais belo e exuberante que as fêmeas? Simplesmente porque, ao se desenvolverem dessa forma, eles têm mais chances de serem "escolhidos" pelas fêmeas e criarem descendência. Mas o pavão, por exemplo, ao desenvolver sua beleza perde a capacidade de voar, ficando à mercê dos predadores. Essa inabilitação adquirida só se explica pelo "altruísmo": correr riscos, o autossacrifício em nome do outro, da descendência.

Por esse mecanismo da seleção sexual, o homem também terá capacidade de alterar seus caracteres secundários. Sendo espécie polimórfica, variará na cor da pele e outros traços físicos exteriores ao perseguir padrões de beleza restritos a cada grupo humano isolado. O "belo ideal" é um conceito social que se materializa nos indivíduos que ocupam a chefia do grupo, nas mulheres que utilizam adornos, nas estátuas que representam os deuses e assim por diante.
Esses padrões se tornam dominantes na medida em que passam a intervir nas escolhas matrimoniais e, por esse processo, disseminam-se pelo grupo. Nada disso precisa ser consciente para agir sobre o homem, como o instinto não é consciente no animal.
Caminhos como esse mostram, mais de um século depois, a dimensão insuspeitada de uma obra que parecia "caduca" aos olhos das ciências naturais e ciências humanas. Trata-se de um clássico que, finalmente, impõe sua grandeza intelectual.