sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Coisas que a vida ensina depois dos 40 - Artur da Távola

"Coisas que a vida ensina depois dos 40

"Amor não se implora, não se pede não se espera...
Amor se vive ou não.
Ciúmes é um sentimento inútil. Não torna ninguém fiel a você.
Animais são anjos disfarçados, mandados à terra por Deus para
mostrar ao homem o que é fidelidade.
Crianças aprendem com aquilo que você faz, não com o que você diz.
As pessoas que falam dos outros pra você, vão falar de você para os outros.
Perdoar e esquecer nos torna mais jovens.
Água é um santo remédio.
Deus inventou o choro para o homem não explodir.
Ausência de regras é uma regra que depende do bom senso.
Não existe comida ruim, existe comida mal temperada.
A criatividade caminha junto com a falta de grana.
Ser autêntico é a melhor e única forma de agradar.
Amigos de verdade nunca te abandonam.
O carinho é a melhor arma contra o ódio.
As diferenças tornam a vida mais bonita e colorida.
Há poesia em toda a criação divina.
Deus é o maior poeta de todos os tempos.
A música é a sobremesa da vida.
Acreditar, não faz de ninguém um tolo. Tolo é quem mente.
Filhos são presentes raros.
De tudo, o que fica é o seu nome e as lembranças a cerca de suas ações.
Obrigada, desculpa, por favor, são palavras mágicas, chaves que
abrem portas para uma vida melhor
O amor... Ah, o amor...
O amor quebra barreiras, une facções,
destrói preconceitos,
cura doenças...
Não há vida decente sem amor!
E é certo, quem ama, é muito amado.
E vive a vida mais alegremente..."




quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Não posso adiar o amor para outro século - António Ramos Rosa


Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
O Grito Claro, 1958


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Auto-terapia para a gagueira - Dicas

1. Crie o hábito de sempre falar lenta e deliberadamente, gaguejando ou não.

2. Quando você começar a falar, faça-o de maneira suave, delicada e clara, sem forçar, prolongando os primeiros sons das palavras que você teme.

3. Gagueje abertamente e não tente esconder o fato de que você é gago.

4. Identifique e elimine todos os gestos incomuns, contorções faciais ou movimentos corporais que possivelmente você possa apresentar quando gagueja ou tenta evitar a dificuldade.

5. Faça o melhor possível para cessar todos os hábitos de evitação, de adiamento ou de substituição que você pode ter adquirido para esconder ou minimizar a gagueira.

6. Mantenha contato visual com a pessoa com quem você fala.

7. Analise e identifique o que seus músculos da fala estão fazendo impropriamente quando você gagueja.

8. Aproveite os procedimentos de correção de bloqueios, delineados para modificar ou eliminar o comportamento impróprio dos músculos da fala.

9. Siga sempre adiante ao falar, a menos que você repita propositadamente para enfatizar uma palavra ou um pensamento.

10. Tente falar com inflexão e melodia, em uma voz firme, sem soar afetado ou artificial.

11. Preste atenção à fala fluente que você tem.

12. Enquanto trabalha neste programa, procure falar tanto quanto puder, já que você necessitará de toda e qualquer oportunidade para trabalhar nos procedimentos recomendados.

fonte: Auto-terapia para a gagueira - MALCOLM FRASER



sexta-feira, 13 de setembro de 2013

RATOS E CRIANÇAS

Relato de uma experiência absolutamente impressionante, demonstrando o quanto os pré-juízos e as esperanças dos professores podem influenciar na aprendizagem de seus alunos.



Mariella Righini
Os professores têm, sem dúvida, uma influência direta sobre os alunos, a partir de sua personalidade, sua atitude, da relação que mantêm com os alunos: seu modo de interpretar as normas da instituição. Esta ação pode, aliás, exercer-se sem que o professor perceba.

O professor norte-americano de psicologia Robert Rosenthal teve um dia uma ideia, aparentemente ingênua, de convocar doze alunos e distribuir a cada um deles cinco ratinhos cinzentos, dando-lhes algumas semanas para que os ensinassem a se orientar num labirinto.
Detalhe importante, entretanto: ele soprou no ouvido de seis alunos que seus ratinhos tinham sido selecionados porque tinham um senso de orientação particularmente desenvolvido. Aos outros seis foi dito que, por razões genéticas, não se poderia esperar nada das cobaias sob seus cuidados.
Essas diferenças existiam, na verdade, na cabeça dos estudantes. Os sessenta ratinhos eram rigorosamente idênticos. Decorrido o tempo regulamentar de treinamento, Robert Rosenthal percebeu que os superestimados haviam atingido resultados surpreendentes, enquanto os subestimados não tinham conseguido praticamente sair ao ponto de partida.
A partir deste resultado, Rosenthal desejou fazer a mesma experiência num laboratório de outro tipo: a escola1
.
SORTEIO
Em maio de 1964, Robert Rosenthal e membros de sua equipe chegaram a uma escola elementar do sul de São Francisco. Bairro pobre. Salários baixos. Muitos mexicanos e porto-riquenhos. Em suma, crianças pobres, de meio social “desfavorecido” e das quais se esperam geralmente resultados escolares insuficientes.
Cartão de visitas dos intrusos: uma grande pesquisa, desenvolvida em Harvard e financiada pela National Science Foundation, sobre a maturação tardia dos alunos. Impressionados com a importância da coisa, os professores abriram as portas de suas classes. Eles não suspeitavam dos verdadeiros propósitos da pesquisa, que não visava a estudar os alunos mas sim os próprios professores.
A contribuição que lhes é pedida é simplesmente fazer com os alunos, no fim do ano escolar, um teste de “tipo novo”, para reconhecimento daqueles que poderiam dar um salto qualitativo durante o próximo ano escolar.
De fato, tudo era fictício. O teste ‑ um teste-padrão de medida de QI ‑ apenas um pretexto; quanto aos casos ditos “interessantes”, foram evidentemente escolhidos ao acaso, numa proporção de 20% em cada turma, e seus nomes foram comunicados de maneira intencionalmente discreta aos professores: Any way... no caso de você estar interessado pelos teste que estamos fazendo para Harvard.
Depois de condicionar os professores a acreditar que havia no grupo alunos com maior potencial de êxito, bastava aos pesquisadores esperar pelos resultados. Um novo teste seria aplicado nos alunos quatro meses após o inicio das aulas, outro no fim do ano escolar e um último no ano seguinte.
Os resultados, acima de todas as expectativas, deixaram Robert Rosenthal de boca aberta. Os alunos designados artificialmente como os que deveriam dar os melhores resultados progrediram muito mais rapidamente do que os outros! Dois casos entre algumas dezenas. José, um mexicanozinho, tinha um QI de 61 pontos, antes de seus professores acreditarem que ele era um prodígio.
Um ano mais tarde seu QI atingia 106. “Aluno retardado” (PC), um ano mais tarde ele se tornava, por simples acaso, um “aluno bem dotado”. Mesma surpresa com Maria, uma outra mexicanazinha em que se observou uma elevação de QI de 81 para 128. Aceitando o convite para descrever o comportamento desses casos “interessantes”, os professores insistiram na “alegria”, na “curiosidade”, na “originalidade” e na “adaptabilidade” dessas crianças.
PONTOS OBSCUROS
No entanto, a progressão destes alunos que haviam sido transformados em prodígios, não foi uniforme ao longo da pesquisa. Durante o primeiro ano, a evolução maior foi observada nos alunos menores, no segundo ano nos alunos mais velhos. Por que esse tipo de fenômeno? Os menores, fortemente influenciados pelo professor, testemunha de sua arrancada, diminuem sua progressão quando passam para outro professor; já os mais velhos, inicialmente menos influenciáveis, são em contrapartida mais aptos a manter por si próprios seus melhores resultados sem o apoio do professor.
Outro ponto revelador da pesquisa: a sorte dos alunos esquecidos, cujos nomes não foram “sugeridos” aos professores. Seus resultados escolares, como foi visto, são nitidamente menos brilhantes que os de seus colegas. Mas há coisas mais graves: quando um destes alunos se distinguia do lote, era automaticamente rebaixado pelo professor e mantido ao nível ao qual “deveria” pertencer. Pior: quanto mais progresso fazia, mais baixava sua classificação. Não sendo “esperado”, seus êxitos eram julgados indesejáveis. Perturbavam as previsões do professor.
A pesquisa provou, portanto, que, como para os ratos, o preconceito artificial do educador agiu de modo determinante sobre o comportamento do educando. Ou melhor, os bons e os maus alunos são inteiramente fabricados pelos professores. Os membros da equipe do professor Rosenthal chegaram a acreditar, por um instante, que os alunos que tiveram seus nomes “selecionados” teriam sido beneficiados por conversas e discussões mais ricas com seus professores, e que esse fato explicaria seus progressos. Mas tiveram que abandonar esta hipótese. O exame dos diferentes testes sucessivos mostrou, com efeito, que não tinha sido a inteligência verbal que havia progredido nessas crianças, mas a capacidade de raciocínio. Havia bastado uma previsão de êxito para transformar alunos incapazes em alunos brilhantes.
Em suma, a condição essencial para que um aluno, para que uma classe tenha bons resultados é que o professor tenha confiança neles. Esta seria a reforma mais econômica da escola com que se poderia sonhar. Mas também a mais difícil de ser aplicada.

1ROSENTHAL, Robert; JACOBSON, Lenore. Pygmalion in the Classroom.New York, Holt, Rinehart & Winston, 1968.

Jornal da Educação - ANO 4 – Nº. 15. MARÇO/ABRIL DE 1986 RATOS E CRIANÇAS. UMA 
EXPERIÊNCIA REVELADORA Mariella Righini 

Modernidade triste?



No século 4 da nossa era, nos mosteiros da Europa, a tristeza, "accidia" em latim, era considerada pecado grave, e as regras monásticas se esforçavam para identificá-la e combatê-la. Mesmo assim, muitos monges continuavam tristes.

A Europa era uma desolação. Das janelas de seus oásis de (relativa) tranquilidade, os monges podiam enxergar o horror. A cultura clássica, grega e romana, era esquecida --ignorada pela imensa maioria de iletrados ou perdida no descaso pelos manuscritos antigos. O desabamento do Império Romano transformara o território em uma terra de ninguém, em que o poder ficava com as hordas de mercenários e bandidos ocasionais. Suficiente para qualquer um ficar triste.

Mas talvez haja uma razão menos contingente para a tristeza aparecer como uma nova aflição, bem na hora em que a cultura clássica deixava seu lugar ao cristianismo. É irônico, aliás, que a dita tristeza ameaçasse logo os monges, que eram guardiões dos textos gregos e romanos que sobravam, mas que também praticavam o palimpsesto -- a arte de apagar os manuscritos antigos para usar os pergaminhos novamente, copiando os textos da nova religião.

Note-se também que, desde a acídia dos monges, a tristeza parece ter se tornado um traço distintivo da cultura ocidental e, especificamente, da modernidade, do "spleen" romântico até a depressão clínica, hoje diagnosticada a esmo. Por que, então, seríamos culturalmente tristes?

Naquele momento, no século 4, morria uma cultura para a qual o que importava era viver o momento, e nascia outra, para a qual nossa vida era apenas uma provação, pela qual ganharíamos ou perderíamos a chance de uma suposta eternidade feliz.
Desde então, é como se a vida que importa nunca mais fosse a que estamos vivendo; o pátio de casa não basta, somos infelizes e insatisfeitos porque a vida "verdadeira" nos espera lá onde ainda não chegamos.

A cultura clássica, que morria, tinha valorizado um estilo de vida norteado por um uso discreto e constante dos deleites da mente e da carne. A cultura cristã, que nascia, apontava no prazer um parente do vício e valorizava o sacrifício e a renúncia, como se Deus tivesse um apreço por nosso sofrimento.

Não sei por que Deus reconheceria algum mérito nas renúncias da gente. Freud responderia, provavelmente, que esta é a função social da religião: controlar nossos impulsos, impondo as renúncias que são necessárias para que a convivência social se torne possível. Muitos iluministas pensaram a mesma coisa.

Graças ao cristianismo, ao considerar castigos e recompensas na eternidade, nós nos tornaríamos governáveis -- sem medo do além, não haveria convívio possível (o paradoxo aqui é que essa consideração não inibiu a própria Igreja, que durante séculos e séculos foi uma instituição de crueldade inaudita).

A cultura clássica (Epicuro, por exemplo) preferia tratar os humanos como adultos e apostar que eles se disciplinariam sem ter que acreditar em um além e sem precisar de um mercado de punições e prêmios eternos: a consciência da finitude da vida seria suficiente para torná-los comedidos e dignos.

Em um jantar na casa de Thérèse Parisot, em dezembro de 1970 (sei a data pois a conversa foi sobre as condenações dos processos de Burgos), Jacques Lacan, o psicanalista francês, chegou com um pequeno volume in-octavo. Era um panfleto anônimo, segundo o qual o verdadeiro messias não era Cristo, mas Epicuro (peço que se manifestem os bibliófilos que reconhecerem o livro). Certamente, a obra era a provocação de um libertino dos séculos 17 ou 18.

Mas a questão continua valendo: será que uma modernidade seria possível sem a desvalorização do momento presente e sem a repulsa ao prazer que são partes da mensagem cristã e que talvez sejam a fonte de nossa tristeza crônica?

Qual modernidade seria possível com Epicuro, e não contra ele? Somos modernos graças ao cristianismo ou somos modernos graças ao materialismo e à disciplina dos prazeres que atravessaram a modernidade perseguidos e silenciados pelo cristianismo?

Para inventar uma resposta, um livro imperdível: dos ensaios que li nos últimos 15 anos, nenhum me prendeu e me tocou tanto quanto "A Virada, o Nascimento do Mundo Moderno", de Stephen Greenblatt.


Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo, em 12-9-13.


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Contra-fogo

Estávamos eu e dois amigos retornando de uma festa, no início da madrugada, a pé, atravessando uma pracinha do Luxemburgo, quando um telefone do ponto de táxi tocou. Naquele tempo – eu devia ter uns 17 anos – os telefones dos pontos de táxi eram dentro de orelhões azuis. Juninho, que tinha bebido um pouco mais, parou e foi atender. Henrique, que tinha bebido menos, continuou andando. Eu, que não tinha bebido nada, parei para esperar Juninho e, ao me virar, vi um senhor com um sobretudo preto apressar seu passo em nossa direção. Disse então ao Juninho:

- Não atende não, que acho que aquele homem vai atender...

Ele respondeu:

- Só vou dizer que não tem ninguém no ponto...

E encostou a mão no telefone. De imediato o senhor retirou um cassetete de dentro do sobretudo e voou pra cima de nós. Juninho, de costas, não percebeu. Eu me coloquei entre ele e o senhor e comecei a tentar dizer algo como “Que isso moço? Ele só tá avisando que não tem ninguém no....” Não terminei a primeira frase. Ele mirou na minha cabeça. No único reflexo de defesa consegui me esquivar um pouco e ele acertou meu pescoço. Caí. Ele deu duas nas costas de Juninho, que também caiu. Henrique corria, distante. Eu já estava me levantando pra agarrar o homem quando um pensamento me veio: “Ele tá armado! Não seria doido... quando atacou éramos três jovens contra um senhor...” Praticamente puxei Juninho pelos cabelos e o empurrei aos gritos:

- Corre!! Corre!!

Minha sorte é que Juninho não estava sóbrio. Ele era muito explosivo, já tinha se envolvido em outras brigas mais sérias. Mas, na condição em que estava, nem entendeu direito o que aconteceu. E correu comigo soltando alguns palavrões.

E eu, já tendo corrido uns poucos passos, me virei para trás e vi o senhor mirar o revolver em nossa direção:

- Aqui procês, seus filhos-da-puta!

E deu vários tiros.

Ele não atirou pra cima. Mirou em nós. Errou.  

Encontramos Henrique alguns quarteirões adiante. Ele praticamente nada viu. Nem Juninho, que não entendeu muita coisa. Mas eu vi. E não conseguia parar de chorar.

Ao chegar a casa de meu tio, onde iríamos dormir, ele perguntou se eu queria ir ao instituto médico legal, fazer um exame, prestar uma queixa. Eu só chorava, não queria fazer nada.

No outro dia, já em Ouro Preto, tive medo de fazer novamente o que costumeiramente fazia quando algo me entristecia demais: esquecer. Mal me lembro do meu pai, morto quando eu tinha 10 anos. Ciente deste meu mecanismo de defesa pensei que tinha que aprender algo com o que me aconteceu, que não queria esquecer. Fui ao atelier e fiz um desenho daquilo tudo. Devo ter gasto 1 ou 2 minutos.

No outro dia, quando acordei, fui ver o desenho, querendo me lembrar de como ficou. Mas ele tinha sumido. Aí me lembrei que era o dia da terapia de minha mãe e que provavelmente o desenho seria o tema do grupo.

Eis o desenho:



Na grande maioria dos casos de risco de conflito tentar comunicar é o caminho mais adequado. Mesmo quando a comunicação encontra-se obstruída. Em textos anteriores falei sobre a comunicação assertiva ou surpreendente, justamente a técnica mais adequada para reabrir um processo dialogal obstruído. Mas em algumas situações não tem conversa possível. Diante da violência, diante da sabotagem, diante de pessoas que querem mesmo é destruir qualquer das possibilidades, tentar comunicar é no mínimo uma inocência.

No desenho o atirador não tem boca. Só depois que desenhei é que percebi isso. Com ele não tinha conversa, não tinha tentativas de explicação, não adianta mostrar que sou bonzinho, que não to fazendo nada demais... isso é inocência.

Fiquei profundamente abalado ao perceber que me expus, praticamente sem defesa, tentando conversar, a alguém que em nenhum momento teve o mais leve sinal de hesitação. Ele ia arregaçar, estraçalhar, matar. Eu vi o seu rosto, eu vi sua expressão. Eu sabia disso! Tentar conversa? Como?

Fiquei feliz ao pensar que, no instante que eu ia partir pra briga, antecipei que o agressor estava armado. Foi quando voltei a pensar, verdadeiramente.

Diante de certas situações não tem conversa, não tem negociação, não faz sentido nenhum tentar comunicar. Nessas situações é como se estivéssemos em um incêndio florestal incontrolável e fossemos obrigados a usar a técnica do contra-fogo. Nestes casos vai-se pela mata na direção contraria a linha de fogo até um local onde se possa iniciar outro incêndio, mais controlável. Controla-se este novo foco para que não prossiga na direção errada, mas que retorne, queimando a mata que existe entre os dois focos. Quando os fogos se encontram extinguem-se, pois nada há em volta para ser queimado.

Esse exemplo indica que nos momentos de violência ou se foge ou se enfrenta. E enfrentar pode ser de diversos modos, e é até indicado que seja sem violência de nossa parte. Mas não se pode bancar o inocente nessas situações. Senão acabamos ressentidos, negando nossos valores mais fundamentais, duvidando da bondade e do amor. E igualizados ao violentador no desejo de vingança.


Guardo hoje esse desenho com muito carinho.



terça-feira, 10 de setembro de 2013

Estratégias para aprender com o erro



(Bom texto sobre a necessidade de se encarar o erro de forma produtiva.)




Escrito por:
  • Amy C. Edmondson




Desde cedo, somos programados para achar que errar é ruim. Essa crença impede que a organização aprenda com os tombos levados.
 
A sabedoria de aprender com o erro é indiscutível. Organizações que fazem isso bem, no entanto, são extremamente raras. E não é por falta de compromisso com o aprendizado. Gestores na grande maioria das organizações que estudei nos últimos 20 anos — empresas farmacêuticas, de serviços financeiros, de design de produtos, de telecomunicações e de construção; hospitais; e o programa do ônibus espacial da Nasa, entre outros — queriam sinceramente ajudar a organização a aprender com os erros para ter um desempenho melhor no futuro. Em certos casos, gestores e suas equipes tinham dedicado horas e horas a avaliações pós-ação, a post mortens e afins. Mas, vez após vez, esse meticuloso esforço não levou a nenhuma mudança real. O motivo? Esses gestores estavam encarando o erro do jeito errado.
 
A maioria dos executivos com quem falei acha que errar é ruim (é claro!). Acha, ainda, que aprender com o erro é algo bastante simples: bastaria pedir aos outros que refletissem sobre o que fizeram de errado e exortá-los a evitar erros semelhantes no futuro — ou, melhor ainda, destacar uma equipe para analisar e redigir um relatório sobre o ocorrido e, em seguida, distribuí-lo por toda a organização.
 
Disseminadíssima, essa ideia é equivocada. Em primeiro lugar, errar nem sempre é ruim. Na vida organizacional, às vezes é ruim, às vezes inevitável e, às vezes, até bom. Em segundo lugar, aprender com o erro organizacional é tudo, menos simples. A maioria das empresas carece da atitude e das atividades necessárias para a eficaz detecção e análise de erros. Além disso, subestima-se a necessidade de estratégias de aprendizado ajustadas ao contexto. Uma organização precisa de saídas novas (e melhores) para ir além de lições superficiais (“Os procedimentos não foram seguidos”) ou deturpadas (“O mercado não estava pronto para nossa espetacular novidade”). Isso significa abandonar velhas crenças culturais e noções estereotipadas sobre o sucesso e abraçar as lições do fracasso. Para o líder, um bom começo é entender como o jogo da culpa interfere no processo.

Jogo da culpa
Na maioria das famílias, organizações e culturas, o erro e a culpa são virtualmente inseparáveis. A certa altura, toda criança descobre que admitir o erro significa pagar por ele. É por isso que tão poucas organizações migraram para uma cultura de segurança psicológica na qual seja possível colher plenamente o benefício de aprender com o erro.
 
Executivos que entrevistei em organizações diversas como hospitais e bancos de investimento admitem o desconforto: como reagir de forma construtiva ao erro sem promover uma atitude permissiva? Se o pessoal não tiver de pagar pelos erros que comete, como garantir que se esforçará o máximo possível e dará o melhor de si?
 
Essa preocupação é fundada numa falsa dicotomia. Na realidade, uma cultura na qual admitir e expor o erro é seguro pode — em certos contextos organizacionais, até deve — coexistir com altos padrões de desempenho. Para entender o porquê, veja o quadro “Um espectro de razões para o erro”. Nele, são enumeradas várias causas, do desvio deliberado à refletida experimentação.
 
Quais dessas causas envolvem ações condenáveis? O desvio deliberado, a primeira da lista, obviamente merece censura. A desatenção, talvez não. Se for produto da falta de esforço, talvez seja censurável. Já se resultar da fadiga na reta final de um turno muito longo, o gerente que programou o turno tem mais culpa do que o trabalhador. Ao avançarmos na lista, fica cada vez mais difícil encontrar atos condenáveis. Um erro decorrente de experimentação refletida que produza informações valiosas pode, na verdade, ser digno de louvor.
 
Quando peço a executivos que considerem esse espectro e façam uma estimativa do volume de erros realmente condenáveis em suas organizações, a resposta normalmente fica abaixo de 10% — de 2% a 5%, por aí. Já quando pergunto quantos são tratados como censuráveis, respondem (depois de uma pausa ou um risinho) de 70% a 90%. A infeliz consequência é que muitos erros não são expostos e suas lições, perdidas.
 
 
Nem todo erro é igual
Uma compreensão sofisticada das causas e do contexto de erros ajudará a evitar o jogo da culpa e a instituir uma estratégia eficaz para que a organização aprenda com o erro. Ainda que numa organização um sem-fim de coisas possa dar errado, é possível dividir o erro em três grandes categorias: evitável, ligado à complexidade e inteligente.
 
Erros evitáveis em operações previsíveis. A maioria dos erros nessa categoria pode de fato ser considerada “ruim”. Em geral, envolve desvios em relação ao especificado em processos de alto volume bem definidos ou operações de rotina em manufatura e serviços. Com treinamento e apoio adequados, o pessoal pode seguir esses processos de forma reiterada. Quando não o faz, em geral é por desvio, desatenção ou incapacidade. Mas, nesses casos, é possível identificar prontamente as causas e achar soluções. Listas de verificação (como no recente best-seller The Checklist Manifesto, do cirurgião americano Atul Gawande) são uma saída. Outra é o propalado Sistema Toyota de Produção, que incorpora o aprendizado contínuo com erros diminutos (pequenos desvios do processo) a sua abordagem ao aprimoramento. Como bem sabe a maioria dos estudantes de operações, um funcionário na linha de montagem da Toyota que detecte um problema (ou um potencial problema) é instruído a puxar a famosa corda “andon”, o que imediatamente deflagra um processo de diagnóstico e solução do problema. A produção segue normalmente se o problema puder ser sanado em menos de um minuto. Se não, é interrompida — apesar da perda de receita decorrente — até que entendam e resolvam o problema.
 
Erros inevitáveis em sistemas complexos. Um grande número de erros organizacionais se deve à incerteza inerente à atividade: uma combinação especial de necessidades, pessoas e problemas talvez nunca tenha ocorrido antes. Fazer a triagem de pacientes na emergência de um hospital, responder a atos do inimigo no campo de batalha e dirigir uma start-up em rápido crescimento são coisas que ocorrem em situações imprevisíveis. Em organizações complexas como porta-aviões e usinas nucleares, falhas no sistema são um risco permanente.
 
Embora seja possível evitar erros sérios com a adoção de melhores práticas na gestão da segurança e do risco, incluindo uma completa análise de eventos que porventura ocorram, pequenas falhas em processos são inevitáveis. Considerá-las algo ruim é não só ignorar como um sistema complexo funciona, mas também contraproducente. Evitar falhas importantes significa rapidamente identificar e corrigir pequenas falhas. A maioria dos acidentes em hospitais resulta de uma série de pequenos erros que passaram despercebidos e, infelizmente, se combinaram do jeito errado.
 
 
Erros inteligentes na fronteira. Um erro nessa categoria pode ser legitimamente considerado “bom”, pois gera um conhecimento valioso que pode ajudar a organização a saltar à frente da concorrência e garantir o crescimento futuro — razão pela qual Sim Sitkin, professor de administração da Duke University, o chama de erro inteligente. Esse erro ocorre quando a experimentação se faz necessária: quando não é possível saber de antemão a resposta, pois é a primeira — e talvez única — vez em que se produz a situação específica. Descobrir novos medicamentos, criar um negócio radicalmente novo, projetar um produto inovador e testar a reação do público num novo mercado são tarefas que exigem erros inteligentes. Embora “tentativa e erro” seja um termo comum para o tipo de experimentação exigido nessas circunstâncias, o uso é indevido, pois “erro” ali implica que havia um resultado “certo” para começo de conversa. Na fronteira, o tipo certo de experimentação produz erros bons rapidamente. Gerentes que a praticam podem evitar o erro “burro” de conduzir experimentos em escala maior do que o necessário.
 
Líderes da firma de design de produtos IDEO sabiam disso quando lançaram um novo serviço de estratégia de inovação. Em vez de ajudar um cliente a projetar coisas novas dentro da linha de produtos atual — processo que a Ideo levara à quase perfeição —, o serviço o ajudaria a criar linhas novas, que o lançassem em direções estratégicas inéditas. Ciente de que ainda não sabia como prestar o serviço de forma eficaz, a empresa estreou com um pequeno projeto para uma fabricante de colchões e não anunciou publicamente a criação de um novo negócio.
 
Embora o projeto tenha dado errado — o clien­te não mudou sua estratégia de produtos —, a Ideo aprendeu com o erro e descobriu o que precisava ser feito de outra forma. Uma saída, por exemplo, foi contratar para a equipe gente com MBA mais capaz de ajudar o cliente a criar novos negócios e incorporar à equipe executivos do cliente. Hoje, a área de serviços de inovação estratégica responde por mais de um terço da receita da IDEO.
 
Tolerar falhas inevitáveis de processo em sistemas complexos e erros inteligentes na fronteira do conhecimento não irá promover a mediocridade. Aliás, tolerância é essencial para qualquer organização que queira se apropriar do conhecimento que esses erros produzem. Mas o erro ainda tem, inerentemente, uma forte carga emocional; levar uma organização a aceitá-lo requer liderança.
 
 
Crie uma cultura do aprendizado
Somente um líder pode criar e reforçar uma cultura que neutralize o jogo da culpa e faça com que as pessoas se sintam autorizadas a (e responsáveis por) expor e aprender com o erro (veja o quadro “Como um líder pode criar um ambiente psicologicamente seguro”). Quando algo dá errado, o líder deve fazer questão de que a organização entenda claramente o que ocorreu, em vez de sair buscando o “culpado”. Para isso, é preciso expor reiteradamente todo erro, pequeno ou grande; analisá-los sistematicamente; e buscar, de forma proativa, oportunidades para experimentar.
 
Um líder também deve mandar a mensagem certa sobre a natureza do trabalho, como lembrar à equipe de P&D que “nosso negócio é a descoberta e, quanto mais depressa errarmos, mais depressa iremos acertar”. Descobri que muitas vezes o gestor não entende ou dá valor a esse ponto sutil, mas crucial. Além disso, pode abordar o erro de um jeito inadequado para o contexto. O controle estatístico de processos, que emprega a análise de dados para avaliar variações injustificadas, não é bom, por exemplo, para detectar e corrigir falhas aleatórias invisíveis, como bugs de software. Tampouco ajuda no desenvolvimento de produtos novos, originais. Por outro lado, embora grandes cientistas intuitivamente sigam o mote da IDEO — “Erre com frequência para acertar mais cedo” —, isso dificilmente contribuiria para o sucesso de uma instalação manufatureira.
 
Em geral, um contexto ou um tipo de trabalho domina a cultura de uma organização e determina como o erro é tratado ali. Com operações previsíveis e de alto volume, montadoras de veículos naturalmente tendem a ver o erro como algo que pode e deve ser evitado. Mas a maioria das organizações realiza todos os três tipos de trabalho discutidos acima: rotineiro, complexo e de fronteira. Um líder deve garantir que, em cada um, a empresa use a abordagem certa para aprender com falhas. Toda organização usa três atividades essenciais para aprender com o erro: detecção, análise e experimentação.
 
 
 
 
Detecte o erro
Detectar um erro grande, doloroso e caro é fácil. Em muitas organizações, no entanto, qualquer falha que puder ser ocultada ficará encoberta — enquanto for improvável que cause dano imediato ou óbvio. A meta devia ser expô-la logo cedo, antes que cresça e vire um desastre.
 
Pouco depois de sair da Boeing e assumir as rédeas na Ford, em setembro de 2006, Alan Mulally instituiu um novo sistema para detecção de falhas. Pediu que os executivos usassem um código de cores em seus relatórios: verde significava bom, amarelo cautela e vermelho problemas (é uma técnica de gestão comum). Segundo reportagem de 2009 na Fortune, para frustração de Mulally todos usaram o verde ao apresentar suas operações nas primeiras reuniões. Lembrando que a empresa perdera bilhões de dólares no ano anterior, Mulally foi direto ao ponto: “Não há nada que não esteja indo bem?”. Quando um tímido amarelo acompanhou o relato de um problema sério num produto — problema que provavelmente atrasaria o lançamento —, Mulally respondeu ao silêncio sepulcral que se seguiu com aplausos. Depois disso, as reuniões semanais da equipe ficaram coloridas.
 
 
Essa história serve para ilustrar um problema fundamental e muito comum: embora haja muitos métodos para expor falhas atuais e iminentes, são tremendamente subutilizados. Adotar a gestão da qualidade total e ouvir a opinião de clientes são técnicas populares para trazer à tona falhas em operações rotineiras. Por meio da detecção precoce, práticas da chamada organização de alta confiabilidade ajudam a prevenir erros catastróficos em sistemas complexos como usinas nucleares. Com 58 centrais de energia nuclear, a Electricité de France é um exemplo nesse quesito. A empresa vai além das exigências regulamentares: monitora religiosamente cada usina para detectar qualquer coisa fora do comum, investiga imediatamente o que descobre e informa todas as outras usinas de eventuais anomalias.
 
Esses métodos só não são mais disseminados porque muitos “mensageiros” — até os executivos mais graduados — ainda relutam em dar notícias ruins a chefes e colegas. Numa grande fabricante de bens de consumo, um alto executivo (conhecido meu) tinha sérias reservas sobre uma aquisição já em curso quando se juntou à equipe de gestão. Mas, cioso da condição de recém-chegado, calou-se durante conversas em que todos os demais executivos mostravam entusiasmo com o plano. Meses depois, quando a união nitidamente malograra, a equipe se reuniu para analisar o que ocorrera. Com a ajuda de um consultor, cada executivo considerou sua possível contribuição para o malogro. O novo integrante da equipe se desculpou abertamente sobre o silêncio lá atrás e explicou que, diante do entusiasmo de todos, não quisera ser um “desmancha-prazeres”.
 
Ao estudar erros e outras falhas em hospitais, descobri diferenças consideráveis entre distintas unidades de enfermagem no tocante à disposição desses profissionais de expor problemas. A causa, descobri, era o comportamento de gerentes de nível médio — como reagiam a erros, se incentivavam ou não a discussão aberta de problemas, se aceitavam perguntas, se exibiam humildade e curiosidade. Vi o mesmo padrão em uma ampla gama de organizações.
 
Um trágico exemplo, que estudei por mais de dois anos, foi a explosão, em 2003, do ônibus espacial Columbia, que matou sete astronautas (veja “Enfrentando a ameaça ambígua”, de Michael A. Roberto, Richard M.J. Bohmer e Amy C . Edmondson, HBR Novembro 2006). Executivos da Nasa passaram cerca de duas semanas minimizando a gravidade do fato de um pedaço de espuma ter se soltado do lado esquerdo da nave no lançamento. Rejeitaram pedidos de engenheiros para esclarecer a questão (o que poderia ter sido feito com a fotografia do ônibus por satélite ou com uma inspeção da área em questão pelos astronautas). Grande, a falha foi basicamente ignorada até o fatal desfecho 16 dias depois. Ironicamente, o fato de os gerentes do programa terem acreditado (de forma infundada) que havia pouco a fazer contribuiu para sua incapacidade de detectar a falha. Análises posteriores sugeriram que podiam, sim, ter tomado medidas frutíferas. Mas, claramente, os líderes não tinham estabelecido a cultura, os sistemas e os procedimentos necessários.
 
Um desafio é ensinar a indivíduos de uma organização quando declarar derrota num curso de ação experimental. A tendência humana de esperar o melhor e tentar evitar o fracasso a todo custo acaba atrapalhando — e é exacerbada por hierarquias organizacionais. O resultado é que projetos de P&D muitas vezes sobrevivem muito mais do que cientificamente racional e economicamente prudente. Investimos mais dinheiro numa canoa furada, rezando para que saia um coelho da cartola. A intuição pode dizer a engenheiros ou cientistas que um projeto tem falhas fatais, mas a decisão formal de considerá-lo malogrado pode ser adiada por meses.
 
Novamente, a solução — que não envolve, necessariamente, muito tempo e dinheiro — é reduzir o estigma do insucesso. É o que a Eli Lilly tem feito desde o início da década de 1990 com suas “festas do fracasso”. Nelas, celebra experimentos científicos inteligentes e de alta qualidade que não atingiram os resultados desejados. O evento não custa muito, e realocar recursos valiosos (especialmente cientistas) a novos projetos o mais cedo possível pode poupar milhares e milhares de dólares — e abrir a possibilidade de novas descobertas.
 
 
Analise o erro
Quando uma falha é detectada, é essencial ir além das causas óbvias e superficiais e buscar entender a raiz do problema. Isso requer disciplina — melhor ainda, entusiasmo — no uso de análises sofisticadas para assegurar que as lições certas sejam aprendidas e as soluções certas adotadas. A função do líder é garantir que a organização não se limite a seguir em frente após o erro, mas pare para investigar e descobrir as lições nele contidas.
 
E por que a análise de erros é tão pouco prestigiada? Porque examinar a fundo nossas falhas é emocionalmente desagradável e pode derrubar a autoestima. A maioria de nós, se pudesse decidir, dedicaria pouco tempo à análise de erros ou simplesmente evitaria a tarefa. Outra razão é que a análise de falhas organizacionais exige questionamento e abertura, paciência e aceitação da ambiguidade causal. No entanto, gestores normalmente admiram determinação, eficiência e ação — e são premiados por isso, não pela ponderada capacidade de reflexão. Por isso a cultura certa é tão importante.
 
O desafio não é só emocional; é também cognitivo. Mesmo sem querer, damos primazia a evidências que confirmem nossas crenças (e não a outras possíveis explicações). Também tendemos a minimizar nossa responsabilidade e a colocar uma culpa indevida em fatores externos ou situacionais quando erramos — e fazer o inverso ao avaliar o erro dos outros (armadilha psicológica conhecida como erro fundamental de atribuição).
 
Minha pesquisa revelou que a análise de falhas em geral é limitada e ineficaz — mesmo em organizações complexas como hospitais, onde há vidas humanas em jogo. Poucas instituições fazem uma análise sistemática de erros médicos ou falhas em processos para tirar lições desses episódios. Um estudo recente em hospitais da Carolina do Norte, nos Estados Unidos (cujos resultados foram publicados em novembro de 2010 no New England Journal of Medicine), revelou que, depois de mais de uma década de conscientização sobre o impacto de erros médicos — milhares de mortes a cada ano —, a segurança nos hospitais não aumentou.
 
Por sorte, há reluzentes exceções a essa regra, o que alimenta a esperança de que a aprendizagem organizacional seja possível. Na Intermountain Healthcare, uma rede de 23 hospitais nos estados americanos de Utah e Idaho, sempre que um médico se afasta de protocolos clínicos o desvio é analisado como uma oportunidade para aprimoramento dos protocolos. Permitir desvios e informar a todos se isso produziu ou não resultados melhores incentiva os médicos a aderir ao programa (veja “Na linha de frente, a solução para a saúde”, de Richard M.J. Bohmer, HBR Abril 2010).
 
Convencer alguém a ir além de razões de primeira ordem (os procedimentos não foram seguidos) para entender razões de segunda e de terceira ordem pode ser um grande desafio. Uma saída, aqui, é se valer de equipes interdisciplinares com competências e perspectivas variadas. Erros complexos, em particular, são resultado de múltiplos eventos ocorridos em distintos departamentos ou disciplinas ou em distintos níveis da organização. Para entender o que aconteceu e tratar de evitar que isso volte a ocorrer é preciso discussão e análise detalhadas, em equipe.
 
Uma equipe destacada de físicos, engenheiros, especialistas em aviação, líderes navais e até astronautas passou meses analisando a tragédia do Columbia. Esse time estabeleceu, de forma conclusiva, não só a razão de primeira ordem — um pedaço de espuma causara uma avaria na asa esquerda da nave durante o lançamento —, mas também as causas de segunda ordem: a hierarquia rígida e a cultura obcecada com prazos da Nasa tinham tornado particularmente difícil para engenheiros manifestar qualquer preocupação com algo que não fosse totalmente irrefutável.
 
Promova a experimentação
A terceira atividade crucial para um efetivo aprendizado é produzir erros de forma estratégica — no lugar certo, na hora certa — por meio da experimentação sistemática. Quem faz ciência básica sabe que, embora as experiências que conduz eventualmente possam gerar um gol espetacular, uma grande porcentagem (70% ou mais em certas áreas) não dará em nada. Como essa pessoa se levanta da cama todo dia? Primeiro, porque sabe que errar não é opcional em seu trabalho; é parte de estar na vanguarda da descoberta científica. Segundo, porque muito mais do que a maioria de nós, essa gente entende que todo erro traz informações valiosas e está disposta a consegui-las antes da concorrência.
 
Em comparação, gestores que lançam um produto ou serviço em caráter piloto — exemplo clássico de experimentação em empresas — normalmente fazem de tudo para garantir que a novidade já saia da prancheta perfeita. Ironicamente, esse afã de acertar pode acabar impedindo o sucesso quando do lançamento oficial. É muito comum os responsáveis por um piloto criarem condições ideais, em vez de representativas. Com isso, o piloto não gera informações sobre o que não vai funcionar.
 
Logo que o DSL surgiu, uma grande empresa de telecomunicações que chamarei de Telco resolveu lançar a tecnologia de alta velocidade em grande escala para clientes residenciais num importante centro urbano. Foi um desastre absoluto do ponto de vista do atendimento ao cliente. A empresa não conseguiu honrar 75% dos compromissos assumidos; a certa altura, tinha a incrível soma de 12 mil pedidos atrasados. O público ficou frustrado e revoltado; o pessoal do atendimento simplesmente não dava conta de atender a todas as chamadas. O moral do pessoal caiu. Como isso foi acontecer com uma líder do mercado, dona de altos índices de satisfação e uma marca que há muito simbolizava excelência?
 
Um piloto pequeno e extremamente bem-sucedido num bairro tinha dado a executivos da Telco uma confiança infundada. O problema foi que o teste não reproduzia condições de operação reais: foi montado com atendentes de desenvoltura e qualificação atípicas e realizado numa comunidade de gente instruída, versada em tecnologia. Só que o DSL era uma tecnologia nova em folha e, diferentemente da telefonia tradicional, teria de interagir com computadores e habilidades técnica do público, que variavam muito. Isso acrescentou complexidade e imprevisibilidade ao desafio de prestar o serviço de um jeito que a Telco não entendera plenamente antes do lançamento.
 
Para a Telco, teria sido mais útil testar a tecnologia com suporte limitado, clientes pouco sofisticados e computadores antigos. Esse piloto teria sido projetado para descobrir tudo o que podia dar errado — em vez de provar que, sob a melhor das condições, tudo daria certo (veja o quadro “Como projetar bons erros”). Naturalmente, os gestores a cargo do teste precisariam ter entendido que seriam premiados não pelo sucesso, mas por produzir erros inteligentes o mais rápido possível.
 
Em suma, organizações excepcionais são aquelas que, em vez de se limitarem à detecção e à análise de falhas, tentam produzir erros inteligentes com o objetivo expresso de aprender e inovar. Não é que os dirigentes dessas organizações gostem de errar. O que fazem é reconhecer o erro como um necessário subproduto da experimentação. Além disso, sabem que não precisam fazer experimentos dramáticos com grandes verbas. Muitas vezes, um pequeno piloto, um teste de uma nova técnica ou uma simulação serão suficientes.
 
 
A coragem para encarar nossas falhas — e as dos outros — é crucial para resolvermos a aparente contradição entre não querer desencorajar a exposição de problemas e criar um ambiente no qual tudo seja permitido. Isso significa que o líder deve pedir ao pessoal que seja corajoso e abra o jogo — e não reagir com fúria ou forte reprovação àquilo que, à primeira vista, pode parecer incompetência. Com mais frequência do que imaginamos, sistemas complexos estão por trás de falhas organizacionais; suas lições e oportunidades de aprimoramento se perdem quando o diálogo é sufocado.
 
Um gestor sábio entende que o rigor desmedido tem seus riscos. Sabe que só será capaz de descobrir um problema e de ajudar a resolvê-lo se puder ser informado de sua existência. Mas a maioria dos gestores que conheci em meu trabalho de pesquisa, ensino e consultoria é muito mais sensível a um outro risco: o de que uma reação compreensiva à falha simplesmente crie um ambiente de trabalho relapso no qual os erros se multipliquem.
 
Comum, esse temor devia dar lugar a um novo paradigma — paradigma que reconheça a inevitabilidade do erro nas complexas organizações de trabalho de hoje. Quem detectar, corrigir e aprender com o erro antes dos demais irá triunfar. Já quem ficar chafurdando no jogo da culpa, não.
 
______________________________
Amy C. Edmondson é titular da cátedra Novartis Professor of Leadership and Management e codiretora da unidade Technology and Operations Management da Harvard Business School, nos EUA.
- See more at: http://www.hbrbr.com.br/materia/estrategias-para-aprender-com-o-erro#sthash.TqoLINi7.887ohthw.dpuf