sexta-feira, 28 de agosto de 2015

inapetência



não sei colocar o pronome

confundo ao concordar certas palavras

me canso diante das regras

- preguiça que me torna suspeito -

coragem colegas poetas

gramaticalmente incompetentes

poesia é para os dentes

domingo, 23 de agosto de 2015

Meu bem



Meu bem
amar é coisa do dia
- bem sei, tem gente notívaga -
mas amar
mesmo
tem a ver com a escova
de dentes.
Com café, despertador
e levar meninos a escola.
Não se decepcione,
amar assim é bom
e é verdade.
Mostra-se num espelho cotidiano
de pequenos detalhes
dia após dia,
ainda juntos,
confiar
que andamos
a algum lugar.
Um olhar diz muito,
uma palavra basta,
um gesto preciso
surpreende.
É fácil supor
que o novo é o amor
mais fácil ainda
é gostar do frescor.
Mas, meu bem,
sabemos
eu e você
que todos um dia vão
se conhecer.
E verão
o amor compartilhado
é o único consistente.
Se bem cuidado
e atento
é eternamente
semente.



(Para Ângela)

sábado, 8 de agosto de 2015

Pai

Meus Amores, Óleo sobre tela, Nello Nuno.


Do que me lembro quando penso em você? E tenho tanta pena por me lembrar tão pouco...

Lembro-me de conseguir sua autorização para brigar de canivete com meninos bem mais velhos que estavam me provocando. Bem que tentei, mas eles acharam graça.

Lembro do dia que você chegou com alguma coisa de comer em casa - acho que eram uvas - e uma algazarra de meninos se montou em volta.

Algumas vezes tenho uma vaga lembrança de você bravo comigo. 

Lembro de estar quase sufocado quando você colocou sua perna em cima de mim quando brincávamos de brigar. Lembro que você ficou sem ar quando acertei uma cabeçada na sua barriga.

Lembro da gente no clube, você nadando de costas e eu deitado na sua barriga.

Lembro que uma noite acordei apavorado com o barulho de um monstro e descobrir que era você roncando.

Lembro que passava no Tofollo e jogava xadrez com o Ivan enquanto você bebia cerveja. Lembro de pegar dinheiro com você para comer um pudim de leite condensado na massaroca.

Tenho vagas memórias de você que não sei se são lembranças ou imaginações de casos escutados. Acho que sua voz está nessa categoria. Não sei se me lembro ou se imagino. Acho que era meio rouca, parecida com a minha. Mas pode ser que eu  desejasse que fosse.

Tem coisas que lembro de todos os detalhes. Mas não gosto. E não era você. Lembro direitinho de entrar no quarto e ouvir Meiga dizer que precisava me contar uma coisa. Lembro que vi Alessandra chorando e que, apesar de não saber de nada do que se passara, perguntei se você tinha morrido. Lembro que só chorei depois que Meiga começou a perguntar das coisas que fazíamos juntos.

Gostaria de me lembrar de tanta coisa. Mas o susto foi tão grande que acho que me esqueci. Apesar disso tenho a impressão de que meu corpo se lembra de você. Outro dia um senhor descobriu que eu era seu filho e disse que eu andava igualzinho a você. Gostei muito de saber. Gosto de pensar que eu puxei ao menos uma parte do seu bom humor. E uma parte da sua alegria.

Gostaria de me lembrar de você me ensinando a barbear. Foi meio arriscado aprender sozinho. Será se você me encorajaria a dizer pra coleguinha que eu gostava dela? Gostaria muito de me lembrar de você com meus filhos. Acho que Ângela ia adorar conhecer você, acho que voces combinariam bem. Gostaria de me lembrar, imagina, de beber com você em algum bar, apesar da tristeza que tantas vezes sinto quando bebo com alguém da minha família. 

Gostaria de me lembrar de uma despedida. Gostaria que eu pudesse ter-lhe dito adeus. Ou até logo.

domingo, 2 de agosto de 2015

De como a cobiça, a pressa e o medo são irmãos


- Não sei o que fazer... Tenho um marido maravilhoso, um neném lindo... Mas meu colega no novo trabalho está dando em cima de mim! Pior! Estou interessada! Como posso estar apaixonada por esse cara?!
- Você não está apaixonada.

- Como não!?
- Você está com cobiça. A cobiça é também um tipo de pressa. E um tipo de medo.
- Como assim...?
- Ele é rico?
- É...
- Você sente que estando com ele os problemas de dinheiro acabariam. Você mudou de cidade, casou, teve filho, mudou de trabalho, iniciou uma pós, tudo ao mesmo tempo. Está com pressa. E cobiça. E medo. A renda é insuficiente. Mas é insuficiente agora. VocÊ acabou de se mudar. E se apertar um pouco dá pra adaptar. Mas ficando com o sujeito parece que tudo se resolveria. É a impressão que você tem. E ele parece tão legal, resolvido, simpático. Bem, legal por legal seu marido também é. E já o é há um bom tempo. E ele você conhece bem, ele é mesmo bem carinhoso e cuidadoso. Tá certo que não tem aquela paixão do início mais, mas paixão é assim mesmo, vai e volta. Ainda voltará com seu marido. E acabaria indo com esse cara. É assim mesmo.

(Um pouco mais sobre as diferenças entre amor, paixão e obsessão no link http://blog.opovo.com.br/psicologiadocotidiano/o-fim-noivado/ ).
- Mas como que esse cara pode estar a fim de mim? Ele está me seduzindo, puxa papo, trata muito bem...

- Ele não está a fim de você. Ele mal te conhece. É o desafio: Você é casada, tem filho, a vida certinha e ainda vai jogar tudo para alto para ficar com ele. Ele vai achar que pode tudo, que é gostoso demais. Qual é a fama dele mesmo?
- Pegador, garanhão, fica com todas e todo mundo quer ficar com ele...
- Pois é. Você é só mais uma, mais um troféu, mais uma conquista. Assim que ele conquistar vai perder a graça. E vai te deixar. Calma. Você está com pressa e com a impressão que sua vida se resolveria magicamente. Calma. As coisas estão indo bem. E esse aperto financeiro é momentâneo. Daqui a pouco você começa a ganhar melhor, daqui a pouco seu menino cresce e dá um pouco mais de sossego. Se você tiver calma tudo vai bem, se acertando. Você e Marcus têm um relacionamento legal, ele é um bom companheiro e um pai dedicado. Vocês tem tudo pra construir uma bela vida juntos. Calma. Pra que tanta pressa?
- É... Acho que você tem razão...
- Vem cá, vou lhe ensinar uma oração de minha autoria que se aplica bem a você e vai ajudar. Reze comigo: Senhor, muito obrigado por me ter me feito mulher. Na sua imensa graça e sabedoria Senhor, nada de melhor poderia ter escolhido. Pois, Senhor, se eu fosse um homem, com essa minha pressa, além de todos os problemas que eu já tenho, eu teria mais um: a ejaculação precoce. E, graças a Deus, sendo mulher, se eu tenho certa precocidade ou não, ninguém percebe mesmo... ninguém tem nada a ver com isso... Muito obrigada, Senhor...

Kely contou da oração para as amigas e agora, quando a turma percebe que ela está começando a ficar ansiosa, todas a cercam e, de mãos dadas, rezam a oração da mulher apressada para ela.
- E não é que vem funcionando?!


A cobiça, a pressa e o medo são irmãos. E se ficam juntos com frequência e sem cuidado, acabam desembocando na saudade.

- Parabéns, mãe!
- Obrigado...
- Tudo de bom! Muitas felicidades!!
- Obrigado...
- Credo, Mãe... Que voz é essa? É o seu aniversário!
- Ah, sei não... To meio triste, meio chateada. Acho que com a minha idade. É... To com a sensação de que o meu corpo já não acompanha meu espírito...
- “O espírito só tem uma idade: ou se é sempre jovem, ou não é espírito. Tudo o mais é arquivo e reminiscências”.
- Uai, gostei disso! De quem que é?
- Anibal Machado. Legal né? Não sei o que você acha, mãe, mas a impressão que tenho é que já deve ter pra mais de 25 anos que eu não lhe vejo tão interessada na vida, tão envolvida com suas coisas... Até mais firme, reivindicando mais o que quer e o que não quer, você está.
- É verdade...
- Lembro-me que, mais de 20 anos atrás, logo após sua separação, você dizia, ainda aos 40 e poucos anos, que não queria mais saber de homem. “Homem só serve pra querer mandar na gente, querer controlar a vida da gente. Agora vou cuidar do meu trabalho e da minha família”. Acho que você levou bem a sério essa determinação, não?
- Levei sim.
- Pois é. E agora esta até arrumando namorado. E trabalhando, fazendo suas coisas... Não sei, mãe, quando foi a última época de sua vida que lhe vi tão animada.
- É verdade, filho. Mas também é verdade que meu corpo já não é o mesmo.
- É sim, mãe. Nem o seu, nem o meu. Eu preferiria ainda ter cabelos. Fazer o que? Perdi os que tinha, ganhei uma “barriguinha” que não tinha, meu corpo também mudou. Mas enquanto eu conseguir me envolver com a vida, enquanto sentir que ela ainda me surpreende e me oferece perspectivas e aprendizagens novas, estou com o meu espírito jovem. Ou talvez esteja com o espírito velho. Ou talvez esteja com o meu espírito mesmo, com a idade que tenho. Mas cheio de vida. E eu acho que você já vem há um bom tempo bem envolvida com sua vida, interessada, cheia de graça. Tá certo, hoje, no seu aniversário, deu uma desanimadinha. Às vezes a gente se assusta um pouco. Mas você sabe bem que tem o espírito ainda bem serelepe...
- É. Tem razão.
- E aí, vai ter festa?
A voz da mãe já estava bem melhor.

Ao alcance da mão


- Estou bem.
- Que bom. E Por que?
- Não sei. Estou bem. Meio à toa, sem motivo. Outro dia escutei uma música e fiquei bem. Só por isso! Imagina!



O grupo todo estava bem deprimido. E era um grupo grande, umas doze pessoas. Eu e a outra terapeuta começamos o grupo perguntando o que que eles gostavam muito e que a muito tempo não faziam.
- Como assim?
- O que você gosta muito e a muito tempo não faz?
- Mas que tipo de coisa? Viajar pro exterior, por exemplo?
- Não! Uma coisa mais simples. Pequena mesmo. Que seja muito fácil de fazer. Mas que, mesmo assim, a muito tempo você não faz. 
- Eu gosto de sorvete de creme... e a muito tempo não como...
- Isso! Esse exemplo tá ótimo! Sorvete de creme vende em todo lugar. Nem precisa comprar o potão. Pode comprar uma bola só.
- Pois é. Gosto muito. E, sei lá... deve ter muitos anos que não como...
- Por que? 
- Taí uma boa pergunta. Não sei o porque.
- Pois eu gosto de conversar com Tia Babita e tem um tempão que não converso com ela.
- Ela mora longe?
- Mora no mesmo quarteirão que eu, tá velhinha... sempre penso em ir lá. Mas nunca vou.
- Eu gosto de andar de bicicleta.
- Eu de dobradinha.
- Tem gosto pra tudo...
E foi disparando. Cada um dizendo de uma pequena coisa, de um detalhe, de uma miudeza, todas simples, ao alcance da mão, mas que já há muitos anos não eram feitas. Mas lembrar também é uma forma de viver. E narrar é uma forma de lembrar. E cada um dizia, um outro escutava, achava graça, e lembrava de alguma coisa que também gostava, que achava bonita, e que podia até pegar se quisesse.
O grupo já tinha outro tom. Semblantes mais leves. Olhares trocados. Uns caçoando amorosamente doutros. 
Terminamos a reunião com uma poesia:

"Enfim, o que importa?
Saber em qual porta tentar?
Saber como continuar?
Cair, deitar, levantar?
Enfim, algo importa?
Topo, auge, ponta ou meta,
cima, baixo, melhor ou pior:
Algo me toca?
E então, porque tanto medo?
Se nada tem relevância,
se não se busca o aconchego?
Enfim, o que fica?
Se se pode morrer tão cedo,
se o tempo sempre marca e envelhece?

Na retina das lembranças se há amor
a saudade se distancia.
Se se morre cedo
durante alguns anos aqui esteve
(nunca agradeci os dez anos que tive, sempre xinguei os setenta que me foram tomados).
E o tempo também nós trás uma sabedoria infantil
de não perder mais tempo
de se fazer o que gosta e por inteiro
de amar intensamente.

Está ao lado
de tão perto
singelo
ao alcance da mão
                basta pegar."

Por fim, na saída da reunião cada qual levava um dever de casa. Fazer, antes do próximo encontro, aquilo que amava e não fazia a tanto tempo.



- Quer dizer então que uma música lhe deixou bem por um dia inteiro?
- É... Não que eu esteja toda boa. Não estou. Ainda ando meio triste, às vezes, lembrando do Carlos. Ainda não entendo muito bem porque não deu certo. É certo que desde o início, tenho que admitir, não prometia muito né? Mas, apesar disto, não chego a estar triste mesmo. Engraçado... acho que devia estar mais triste...
- Luíza, quantos anos você ficou sozinha, sem nem procurar por alguém?
- Dez.
- Pois é. Dez anos. De luta, muita luta. Você precisava trabalhar, sua família teria que devolver a casa onde moravam e você precisou resolver isso. Trabalhou, construiu sua casa nova, levou sua família pra lá. Um período no qual você mais sobreviveu do que viveu. Agora essa etapa acabou e você começa a olhar em torno de si. Vê o Carlos. Se aproxima e acaba envolvida. Mas tudo acaba muito rápido. E você ficou bem mal. Mas já tá melhorando. Porque está recomeçando a viver. Ver o mundo, as pessoas, conviver, procurar, amar. Ter coragem de pensar que a felicidade também pode ser para você. Que a vida está toda aberta no adiante, que muito ainda você há de viver, que em muitas você ainda pode se transformar. Sofrimentos também serão vividos, é claro, ninguém escapa disso. Mas você sente que agora pode recomeçar.
- Ah! Entrei pra aula de dança também! Sempre quis aprender a dançar!
- Mas você tá impossível! Que bom! Dançar é bom demais!
- Sou dura demais. Mas começo segunda.
Nossa, essa música fez milagre nessa semana! Que música é essa?



Um pedido de graça, um pedido de vida, um afã de esperança... música assim faz mesmo bem.