terça-feira, 22 de setembro de 2015

- Mamãe pediu para eu conversar com você sobre meu pai.




- Mamãe pediu para eu conversar com você sobre meu pai.

- É?

- É. Porque ele só liga no domingo. E fica uns dez minutinhos comigo no telefone. Não tem assunto, parece.

- Você fica chateada?

- Sim. Acho que ele deveria me procurar mais. Mas sei que eu também não tenho muito assunto com ele. Já tem tanto tempo que quem cuida de mim é o meu padrasto...

- Você sabia que seu padrasto marcou comigo quando seu irmão ia nascer?

- Não...

- Sabe o porquê?

- Não...

- Ele estava muito aflito. Alguns amigos falaram que só agora, que ele ia ter um filho dele mesmo, é que ele ia saber o que era ser pai. Diziam que com o neném nas mãos ele sentiria algo que nunca sentiu antes. E que ainda por cima era um menino, que agora ele ia saber, de verdade, o que era ser pai. E sabe porque ele estava tão aflito que chegou a marcar uma consulta comigo?

- Por que?

- Ele estava morrendo de medo. Morrendo de medo dos amigos estarem certos. Ele achava que já sabia o que era ser pai. Pois ele já era seu pai. Ele sentia assim. Mas estava com medo de sentir algo diferente com o nascimento do neném. E descobrir que realmente não sabia o que era ser pai. Depois do parto ele marcou comigo de novo. E me contou o que sentiu...

- E o que foi?!

- Um maravilhoso e profundo amor. Lindo. Ficou extasiado com o filho recém-nascido nos braços. E viu que era exatamente igual ao sentimento que ele sentia em relação a você. Ele ficou todo feliz ao perceber que os amigos estavam errados. Até marcou pra me contar, todo alegre. Que ele é seu pai, sim.


Um sorriso iluminou o rosto e os olhos de Carolina.


- É curioso as pessoas se referirem ao pai biológico com sendo o pai verdadeiro. Pai verdadeiro é quem cria, quem cuida, quem ama. Seu padrasto é seu pai verdadeiro. E com ele você tem uma relação ótima! Se for do seu desejo podemos tentar melhorar sua relação com seu pai biológico, tem várias coisas que você pode fazer. Mas é importante você saber que já tem um pai muito legal. Que moça sortuda! Tem dois pais! Um precisa de uma ajeitadinha, é verdade. Tá meio fechadão, meio sem jeito. Mas o outro já está mais do que bom!


Difícil descrever o tanto que seus olhos brilhavam.


É importante saber que problemas falsos, apesar de serem equivocados no que afirmam, podem gerar consequências verdadeiras. De certa forma ela se sentia meio órfã, com a distância desconcertada de seu pai biológico. Se sentia meio órfã tendo, verdadeiramente, dois pais. Se sentia miserável no meio da fartura.

Definir bem um problema é já encaminhar bastante a sua resolução.


domingo, 13 de setembro de 2015

Eu gosto de laranja


A noite foi muito legal. Combinaram de se ver de novo na sexta, os dois teriam uma semana bem puxada. Conversaram num clima ótimo todos os dias durante a semana. Na quinta, quando ele ligou a conversa já era outra:

- Foi bom mesmo você ter ligado. Preciso conversar com você.

O tom definitivamente não era bom. Na hora ele percebeu que já era. Combinaram um horário. Na sexta sentaram e ela começou:

- Sabe o que é? Sei lá... Acho que o que aconteceu entre nós não deveria ter acontecido.... Acho que foi um erro.... Não devíamos ter ficado juntos.... Acho que foi um engano...

E foi falando, falando... Ele permanecia em silêncio. Até que ela concluiu:

- .... Acho que eu não gosto de você...

Ele ficou em silêncio mais um pouco e disse:

- Eu gosto de laranja.

- Como?

- Eu gosto de laranja. Aí eu descasco, chupo e não gosto mais. A vontade passa.

- Mas...

- Eu nunca pensei que gostasse de você. Gostar, para mim, é pouco. E passa rápido. Eu percebia em nós uma afinidade, uns interesses comuns.... Eu achei mesmo que poderia te amar.

- !?... Mas, se é assim...


- Desculpe, mas acho que você não está entendendo. Agora quem não quer sou eu. Sinto, mas não quero me envolver com uma pessoa que uma hora quer, depois segue entusiasmada, toda feliz e, do nada, muda de opinião e acha que não gosta mais. Se orientar por gostar ou não é muito pouco. Eu gosto de laranja. E não trato pessoas assim. Não quero quem quer uma hora, depois avalia se não haveria algo melhor e já não quer mais. Quero quem me queira.